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Dan encontra Dan [entrevista]

DP: Faz um tempo que não conversamos. 
DP: É como se nunca tivéssemos conversado. 

DP: Há tristeza em ti. 
DP: Tristeza não, desalento. 

DP: Não vou dizer que são sinônimos. Não quero te confrontar 
DP: Engraçado. Sempre achei que haveria esta luta infinita entre nós 

DP: Você tentou outra vez submeter seu original para a Companhia das Letras? 
DP: Essa parte de mim que aceita o sofrimento como algo engrandecedor. Uma ínfima parte, mas que tem lá em sua petulância a força necessária para se sobrepor a minha vontade. 

DP: Li o e-mail que você enviou para a editora. O primeiro e o segundo. 
DP: Não fui eu. Foi a ínfima parte. 

DP: Gostaria que ela crescesse em ti. Haveria menos confronto entre nós. 
DP: É, talvez houvesse. Se hoje ela quiser tomar meu corpo, tanto faz. 

DP: Posso ler pra ti os dois e-mails que ela enviou? 
DP: Eu já li 

DP: Não, não leu. Quem leu foi a parcela imensa do Dan que aceita o desalento como fuga. 
DP: Engraçado. Em nossas conversas sou sempre eu o prosador poético. 

DP: Vou ler. 

Primeiro e-mail: 

“Olá, pessoal da Companhia das Letras. A página para envio esteve fora do ar nos primeiros minutos. Estive constantemente atualizando. Assim que voltou, meu login já estava realizado. Preenchi os campos faltantes com a maior pressa do mundo. Os arquivos PDF da sinopse e o original estavam prontos para o envio, o que fiz com a mesma agilidade. Todo este processo levou menos de 1 minuto. Ainda assim, ao enviar o formulário, surgiu a mensagem de que já havia atingido o limite de 250 envios. Desta maneira, procuro encontrar alguma sensibilização para o fato de este sistema de envio não ser justo. Imagino que assim como eu, muitos outros encontraram esta mesma dificuldade. Não foi por desatenção ou falta de empenho que não pude enviar meu original. Peço, deste modo, a gentileza da possibilidade de reverem o processo. Sei que ainda poderei tentar novo envio amanhã, mas não acredito que encontrarei situação diferente desta. Acredito que este modelo não contemple a qualidade literária dos originais. Com isso, perdem todos. Agradeço pela atenção. Att; Dan Poletti” 

Gosto tanto deste Dan petulante. Mandar uma mensagem destas para a maior casa editorial do Brasil. 

Tem o segundo e-mail. Acho que deste tu vai gostar mais: 

“Olá, Companhia das Letras. Com muita esperança, repeti hoje todo o empenho que coloquei no dia de ontem na tentativa de submeter meu original. Não só repeti o mesmo empenho; dediquei-me como nunca. O site hoje apresentou instabilidade superior à de ontem. Às 10h15, seguia fora do ar. Foi somente às 10h18 que recebi a informação de que as vagas estavam esgotadas. Desta vez, porém, ainda pior do que ontem, nem tive a chance de acessar o formulário. Eu imagino que a resposta de vocês será semelhante à de ontem. Irão reconhecer a falha no sistema; dizer que quando o site voltou ao normal as vagas se encerraram em menos de 1 minuto; que valorizam a leitura dos originais e por isso precisam limitar os envios. E isso tanto me entristece. Não só os problemas, mas a resposta para eles. Não só porque terminaram a resposta ao e-mail anterior dizendo que ampliariam os servidores para garantir uma experiência melhor. A tristeza vem porque me sinto uma criança dos primeiros anos escolares que precisa aceitar certas coisas porque é ainda só uma criança. Se eu fosse um adulto, esta é a sensação, eu não teria que passar por certas situações. Vocês sabem, tanto quanto a gente, nós escritores e escritoras, o tamanho da dedicação que temos de ter, dedicação e coragem, para escrever no Brasil. Eu sei, editar também não é tarefa fácil. O que não posso, sendo o adulto que sou, o leitor que sou, o cidadão que sou, o escritor que sou, aceitar que este sistema de submissão seja algo justo. Um sistema que democratize o acesso, que possibilite de verdade um envio honesto de nossos trabalhos. Eu sei, talvez tu nem tenha chegado até aqui na leitura de meu e-mail. Devem haver tantos outros para responder. Não quero que carregue a culpa. É que tem dias em que somos felizes, e tem dias em que desalentamos. Outra vez, prevendo a resposta deste e-mail, agradeço ao seu desejo de que eu não desanime. Atenciosamente; Dan Poletti” 

Um grand finale. Passivo-agressivo na perfeita medida. 
DP: É, talvez. 

DP: Poderíamos apertar o botão publicar e tornar esta conversa pública. 
DP: Tu sempre aperta o botão. Mesmo que eu não queira. 

DP: É porque o Dan petulante, aquela parcela que você julga ínfima, é a que mais me interessa. É na verdade ela quem sempre aperta o botão. 
DP: Não há nada que eu possa fazer. 

DP: Não desanime, meu caro escritor. 
DP: Eu sabia que nossa conversa terminaria assim.


"Trecho da entrevista concedida pelo escritor Dan Poletti ao escritor Dan Poletti"