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Dan encontra Dan [entrevista]

DP: Faz um tempo que não conversamos.   DP: É como se nunca tivéssemos conversado.  DP: Há tristeza em ti.   DP: Tristeza não, desalento.  DP: Não vou dizer que são sinônimos. Não quero te confrontar   DP: Engraçado. Sempre achei que haveria esta luta infinita entre nós  DP: Você tentou outra vez submeter seu original para a Companhia das Letras?   DP: Essa parte de mim que aceita o sofrimento como algo engrandecedor. Uma ínfima parte, mas que tem lá em sua petulância a força necessária para se sobrepor a minha vontade.  DP: Li o e-mail que você enviou para a editora. O primeiro e o segundo.   DP: Não fui eu. Foi a ínfima parte.  DP: Gostaria que ela crescesse em ti. Haveria menos confronto entre nós.   DP: É, talvez houvesse. Se hoje ela quiser tomar meu corpo, tanto faz.  DP: Posso ler pra ti os dois e-mails que ela enviou?   DP: Eu já li  DP: Não, não leu. Quem leu foi a parcela imensa do Dan que aceita o desalen...
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A misantropia [novela]

  A misantropia (2021) A ideia para a novela “A Misantropia” surgiu em 2018. Na manhã seguinte as eleições presidenciais daquele ano, eu despertei de sonhos intranquilos. No ano seguinte desenvolvi o tema central da história. Em 2020, o projeto recebeu a primeira colocação no Prêmio Premiarte de Bento Gonçalves (RS), na categoria narrativa longa. Entre 2020 e 2021, escrevi “A Misantropia”. Lançada oficialmente na 36ª Feira do Livro de Bento Gonçalves (2021), a obra foi distribuída gratuitamente em formato de livro digital. A Patrona da Feira do Livro daquele ano foi Natalia Borges Polesso. Acredito que certos encontros não ocorrem por mero acaso. Lançar a obra sobre a tutela de Natalia é um evento que a psicanalista de Gregório, personagem central de "A Misantropia", chamaria de sincronicidade . A novela “A Misantropia” é o manifesto que escrevi para me unir e fortalecer as barricadas que resistem e avançam sobre os opressores.  Para receber a obra gratuitamente, envi...

Dan encontra Dan [entrevista]

DP: Fruta preferida? DP: Tomate.   DP: Um mamífero? DP: Baleia.   DP: Assim fica difícil? DP: Oi?   DP: Fica difícil. Perguntas simples sugerem respostas ligeiras, de superfície. DP: Pois foi o que dei.   DP: Não sei se o leitor concordará. DP: Talvez eu queira saber que importância literária habitam tais perguntas.   DP: Talvez teu público considere importante ler o autor-personagem. DP: Meus escritos não sou eu. Ou você tem interesse no meu texto, que repito: não sou eu, ou então não sobra nada. A literatura basta-se. É feita serpente que consome o próprio corpo.   DP: Ser escritor no século XXI exige presença. DP: Não se o que basta é a narrativa. O escritor se faz no ato de escrever. Publicar é irrelevante. Do autor, esse sim, exige-se onipresença. É dele que se espera a selfie, a assinatura do contrato. A resposta simples, ligeira e superficial.   DP: Dan Poletti é autor ou escritor? DP: Eu sou nós. Sou vasto, contenho multidões. ...

Esqueço e volto a lembrar [conto]

ABRI A CAIXA e não havia nada. Estava vazia, mas não deveria. O combinado era que tudo estaria ali. Deixei observações claras sobre quais produtos gostaria de receber. Gostaria é um jeito menos agressivo de dizer quero . O que eu queria era querer e ponto final. Se não fosse possível, que dissessem “Não será possível”. O pedido foi finalizado e tudo fica subentendido. Eu escolho, quero, digo que gostaria e ou tem ou não tem. Se tem, o pedido é finalizado e no tempo previsto a caixa vem. A caixa e dentro os produtos.   Parece que algo não ficou claro.   Ninguém compra caixa de papelão vazia. Nem mesmo os que desejam enfiar algo dentro dela. Havendo tantas disponíveis gratuitamente em redes maiores ou menores de supermercados, a venda de caixas de papelão vazias não seria promissora. E não é. Procure por caixa de papelão vazia no Mercado Livre, Enjoei, OLX, Facebook, classificados de qualquer tipo, cartaz colocado no poste, brechó que também vende de tudo. Ninguém vende caixa d...

Dan encontra Dan [entrevista]

DP: Você escreve deus com “d” minúsculo. DP: É, alguns se ofendem. DP: Talvez porque você leve para o campo ideológico. DP: É engraçado. Estas mesmas pessoas descrevem os deuses pagãos ou politeístas deste mesmo modo ofensivo. Nunca li este tipo de pergunta dirigida a eles. Mas tudo bem, não é essa a questão. Também há o apego a gramática e aí fica difícil a existência rígida de Deus e deus. O que estabeleço é um critério. Na minha literatura deus é deus e deuses e deusas. Se há desrespeito ou apego ideológico, não carrego esse fardo. O desrespeito se dá em outro terreno. E que não me venham jogar pedras se a culpa for da personagem. Que se entendam com ela. "Trecho da entrevista concedida pelo escritor Dan Poletti ao escritor Dan Poletti".  

O buraco [conto]

   Quando chegou a notícia da morte da Ana, o Astor Heck começou a cavar. Isso lembro bem. Quando o tal áudio de dezessete segundos foi mandado no grupo, ninguém sabia direito. No início era só a voz de um homem, mas quando se anunciou médico, e ele falava feito médico, todo mundo levou a sério. O tal doutor, se é que era, porque onde já se viu anunciar morte desse jeito, dava o anúncio de falecimento de uma jovem no hospital Santa Cruz. Não dizia a causa, mas naqueles dias todos pareciam saber que só poderia ser coisa do coronavírus.    Acho que foi o Schultz quem sugeriu o nome Ana. O Astor tinha uma filha com esse nome e ela trabalhava de enfermeira no hospital, só que o infeliz do Schultz não disse Ana Klock, e poderia ser Ana Heck.    Eu nem sabia que o Astor Heck tava no grupo “Barbeiragem Rio dos Bugre”. Ele apareceu não sei de onde e a mensagem dele dizia “Ana Heck?”, e não, não era a Ana do Astor, só que a demora do Schultz em responder me deu nos ...

A castanheira, a cura e o mundo [conto]

A planície recobre o solo estéril. Olha a castanheira, suas folhas e frutos. Na terra, as raízes profundas buscam alimento. Uma família de aves migratórias repousa num dos galhos.  Anunciada a cura para o novo vírus e o solo ainda é o mesmo, as raízes são as mesmas, os mesmos pássaros nos galhos mesmos. Tenta se mover e não consegue. Permanece onde está e toca as paredes, mas não é seu lar. Inspira a terra seca, mas não é seu chão. Ouve o peito apertado e quer saber o que falta. Expira e a brasa ganha força feito castanheira quando encontra água. Seu peito é lar e nele há uma chama. Envolve a castanheira com seu longo abraço e vê as aves seguirem alto. Abandona as paredes, a terra. Vai buscar quem lhe quiser abrigo. Leva consigo somente o que pode carregar dentro do peito. O mundo é uma vasta planície sobre um campo fértil. 

Como é ser um morcego? [as engrenagens]

O filósofo Thomas Nagel, em seu ensaio “Como é ser um morcego? [1974]”, afirma que nunca saberemos.  “Até onde eu consigo imaginar (e não vai muito longe), isso só me diz como seria me comportar como se comporta um morcego. Mas a questão não é essa. Quero saber como é ser um morcego para um morcego”. Entretanto, há outra pergunta que atormentaria o pobre Nagel: Como é ser um romancista? A resposta imaginária de Nagel, para a pergunta que ele poderia ter feito, imagino eu, seria algo “Até onde eu consigo imaginar (e não vai muito longe), isso só me diz como seria me comportar como se comporta um romancista. Mas a questão não é essa. Quero saber como é ser um romancista para um romancista”. George Elliot, que só recentemente descobri ser o pseudônimo de uma romancista inglesa de nome Mary Ann Evans, viajou no tempo para ajudar Nagel a encontrar uma resposta. Em seu ensaio sobre o realismo alemão [1856], Mary Ann “George Elliot” Evans sacramentou que “o maior benefício que devemos ao ...

Encontro e desisto de encontrar [conto]

SUSANA NÃO ESTAVA NO BALANÇO. O brinquedo vazio, em movimento, carregava um implícito fato. “Susana?”, chamou sem elevar a voz. Os olhos guiavam o olhar. Eles procuraram em um canto e depois outro. “Susana?”, desta vez um tom acima. Os pés moviam o andar por ora calmo. “Susana? Estou chamando.” As mãos conduziam braços em 60° graus. Que logo se tornaram 70°, 80° e depois o impulso que lançou leve o correr. “Susana? Última vez que chamo!”. Entretanto, haveria outras. “Susana? Susana?! Susana!!” O homem inspecionava cada possibilidade. Sob os brinquedos esculpidos em madeira bruta, por detrás das latas de lixo com suas indicações seletivas e então em cada um dos bancos de concreto. Susana não estava em lugar algum. E essa impossibilidade consolidou o início do tormento. Dois corpos não podem ocupar um mesmo espaço na mesma medida em que um corpo não pode estar em lugar nenhum. Retornando ao local de origem, o homem encontrou o balanço passível ...

Dan encontra Dan [entrevista]

DP: Em entrevista ao escritor Robert Melo, você diz que sua literatura é como um sonho. DP: Gosto dessa ideia e dizer isso é uma obviedade porque se não gostasse, não diria. DP: Pode ser mais objetivo? DP: Posso. Qual a pergunta? DP: Você escreve realismo mágico? DP: Não sei. Acho que essa pergunta deve ser respondida por outras pessoas; teóricos e críticos, por exemplo. Eu sou o escritor. DP: Que gosta da ideia de que sua literatura é como um sonho. DP: Não acho que essa ideia vá definir em qual sessão da livraria meus livros estarão. Veja, não acredito que o escritor deva se preocupar com isso. O texto perde potencialidade.  Num sonho você tem essa potencialidade onde tudo é possível. De repente você é aquele corpo na cadeira odontológica e quando o dentista se aproxima, uau!, é a Lady Gaga usando um jaleco produzido com restos de próteses dentárias. Mas talvez você esteja no consultório odontológico e um homem de branco e sorriso impecável, liga a...

Sobre como vencer um tornado [as engrenagens]

Ontem estive pesquisando o clima de Edmonton. Precisava a confirmação de que meu homem realmente abriu as janelas de seu Volvo XC90 em meados de setembro. Era fim de verão e o outono começaria no dia 23. Olhando todos aqueles gráficos meteorológicos, descobri um fato interessantíssimo. No dia 31 de julho de 1987, um tornado de intensidade F4 atingiu  Edmonton. Naquela tarde algo de muito raro aconteceu. Ao contabilizar os 27 mortos e os milhões em perdas econômicas, o Canadá pode adicionar o evento no seu diário de piores desastres naturais. O evento ficou conhecido como Sexta-Feira Negra. Foi então que cheguei em uma informação bem específica sobre aquele dia. O tornado terminou por volta das 20:00. O prefeito Laurence Decore deu uma coletiva. Lá pelas tantas, ele disse algo, referindo-se a cidade de Edmonton, que se tornaria um slogan não oficial para os edmontonianos: “A cidade dos campeões”. Ao acessar aquela informação histórica, vi o prefeito ficcionalmente ...

Dan encontra Dan [entrevista]

DP: Seus diálogos são bem soltos. DP: Sim. DP: Fiquei confuso em alguns momentos, sem saber quem estava falando. DP: Sim, é isso. DP: É isso? DP: Sim, é isso. Eu poderia citar aqui alguns autores que me ajudaram nessa escolha. Mas eu vou falar apenas sobre uma obra chamada “A estrada”, escrita pelo Cormac Mccarthy. Vou resumir bem a história: temos um pai e seu filho, num mundo pós-catástrofe e eles estão vagando nesse cenário sombrio e chuvoso e nevado. Então os diálogos estão ali (Você diria que soltos) e por vezes é preciso voltar para saber quem está falando e mesmo assim nem sempre eu sei se é o pai ou o filho. DP: Imagino que você vá explicar. DP: Sim, eu não terminei. Não saber quem diz nos abre a possibilidade de perceber que poderia ter sido qualquer um dos dois. Eles já estão há tanto tempo nesse mundo (Mais de ano) e são tão dependentes um do outro que qualquer um dos dois poderia ter dito o que disse. Nós, enquanto leitores, podemos escolher e imagina...